sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Escrita para curar

Em alguns casos, escrever de forma orientada sobre experiências traumáticas pode ajudar pessoas a refletir sobre si e a superar a dor da perda



Há seis anos Marta perdera o marido em um acidente de carro. Embora tivesse, aparentemente, superado o trauma, custava-lhe manter as relações com os amigos e ainda mais conhecer novas pessoas. Dormia e comia muito pouco e um véu de tristeza permanente a atormentava. Por sugestão de pessoas próximas decidiu procurar ajuda terapêutica. Na primeira consulta, falou por meia hora. Depois se calou. E continuou calada nos três encontros seguintes. 


Não é que não quisesse continuar (ou iniciar) a psicoterapia – simplesmente não conseguia falar. Ainda assim tentava: chegava na hora marcada e se empenhava para romper a própria mudez. Cerca de um mês após o início dos encontros o psicólogo interrompeu seu silêncio com palavras que surpreenderam Marta: “É suficiente por enquanto. Na próxima semana, traga um caderno e uma caneta”. Marta levou o material pedido e -– para sua surpresa – conseguiu expressar nos encontros seguintes muito mais do que imaginava. Por meio da escrita vieram as lágrimas, o reconhecimento da frustração e da raiva pela perda precoce, as associações que a remeteram a cenas de morte vividas na infância, as reflexões, de novo as palavras -– e um novo alento. 


Registrar no papel experiências negativas, como um luto, pode ser uma técnica terapêutica eficaz em determinadas circunstâncias. Alguns estudos mostram efeitos da narrativa escrita sobre a saúde em geral, física e psíquica, mesmo de pessoas sãs. Os resultados são animadores, a tal ponto que a velha idéia do “caro diário” foi revalorizada.


“Na clínica, o objetivo é ajudar o paciente a compreender melhor as questões que o inquietam, aproximar-se dos sintomas e da dor psíquica de forma protegida, traduzindo emoções em palavras”, diz o professor de psicossomática Luigi Solano, da Universidade La Sapienza, em Roma, autor de Scrivere per pensare (Escrever para pensar, não lançado no Brasil). Ele acredita que a escrita terapêutica ajuda a pessoa a descrever detalhes de experiências negativas, explicitar sentimentos, colocar os fatos em ordem cronológica e estabelecer nexos. Para ele, escrever e falar não se contrapõem, mas, diferentemente do que se dá na comunicação verbal, na qual há espaço para associações inesperadas, que muitas vezes levam a questões inconscientes intrincadas -– e fundamentais para o tratamento –, na escrita o foco é mais definido.


Escrever ajuda a reelaborar e superar essas vivências desagradáveis.


É como se, ao serem colocados no papel, desejos, necessidades e emoções se tornassem mais claros.


- Revista Mente e Cérebro - Abril de 2008





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