terça-feira, 21 de outubro de 2014

"Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. 
Não temos amado, acima de todas as coisas. 
Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. 
Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. 
Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. 
Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. 
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. 
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. 
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. 
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. 
Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. 
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. 
Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. 
Temos chamado de fraqueza a nossa candura. 
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."

- Clarice Lispector in "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres" (p. 47 a 49)







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