quarta-feira, 12 de outubro de 2016

"Tempo atrás, escrevi uma crônica sobre a pouca ousadia dos desejos de nossos jovens. Pois bem, como antídoto, prescrevo 'Ratatouille' a todos, crianças e pais. Quando pensamos no futuro de nossos rebentos, temos, em geral, uma visão limitada, preocupada com a 'possibilidade' de seus desejos. Na maioria dos casos, preferimos que eles tenham desejos 'plausíveis'. 
Parece lógico. Mas o problema é que medimos esse 'plausível' a partir da lição de nossos próprios limites ou fracassos. Isso, sem mencionar nossa vontade de guardar os filhos por perto e, eventualmente, nossa inveja, que é inconfessável, mas existe: nem sempre é fácil aceitar que nossos filhos inventem para si uma vida melhor do que a nossa. 
O rato que ambiciona ser chef de cozinha é como o menino que pretende se tornar escritor, ator, violinista ou astronauta. Em geral, nos filhos que desejam uma vida que atropelaria a cerca de casa, a resistência dos pais encoraja uma hipertrofia do devaneio, que compensa o abandono dos sonhos 'extravagantes'. Este é o recado: 'Seja razoável em seus desejos e solte-se no devaneio', 'Resigne-se ao plausível [...]'  Os devaneios do domingo consolarão e inibirão o anseio 'louco' de correr atrás de aspirações incomuns. 
É possível entender 'Ratatouille' como uma apologia da sociedade aberta, com oportunidades para todos: até um rato, com dedicação e persistência, pode se tornar chef. Mas, antes disso, o filme é uma homenagem à coragem de quem se autoriza a procurar a vida que ele quer. A história de Remy não inspira devaneios de glória culinária. Se o filme nos faz sonhar, é com a galhardia de quem não larga o osso (o queijo, no caso) de seu desejo." 

- Contardo Calligaris



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