quinta-feira, 9 de abril de 2020

Por lugares incríveis (NETFLIX) - Leia o livro também!!!

Quando eu soube que a Netflix faria um filme sobre o livro "Por lugares incríveis", de Jennifer Niven, fiquei animada, mesmo achando em 99% dos casos que o livro sempre é melhor do que o filme. Em maio de 2016 eu o li pela primeira vez e ele automaticamente se tornou um dos meus preferidos (tanto no gênero de literatura juvenil que eu tanto gosto quanto para falar de suicídio na adolescência).

Para mim, a forma com que Niven conta essa história tem muito a ver, além do seu talento com a escrita, com o relato que ela traz no final: a autora é uma sobrevivente enlutada por suicídio (boa parte das pessoas que assistiu ao filme não sabe dessa informação).

No final do livro, como "Nota da autora", ela escreve o seguinte:

"A cada quarenta segundos, alguém no mundo se suicida. A cada quarenta segundos, quem fica tem de lidar com a perda.
Muito antes de eu nascer, meu bisavô morreu devido a um ferimento a bala que ele mesmo causou. Seu filho mais velho, meu avô, tinha só treze anos. Ninguém sabia se tinha sido intencional ou não — e como eram de uma cidadezinha no sul do país, meu avô e sua mãe e suas irmãs nunca discutiram isso. Mas aquela morte afetou nossa família por gerações.
Há muitos anos, um menino que eu conhecia e amava se matou. Fui eu quem o encontrou. Eu não queria conversar sobre essa experiência com ninguém, nem com as pessoas mais próximas. Até hoje, vários familiares e amigos meus não sabem muito sobre isso, se é que sabem de alguma coisa. Durante bastante tempo, era doloroso até mesmo pensar nisso, quanto mais falar, mas é importante conversar sobre o que aconteceu.
Em Por lugares incríveis, Finch se preocupa muito com rótulos. Existe, infelizmente, um estigma em torno do suicídio e de transtornos mentais. Quando meu bisavô morreu, as pessoas fofocavam. Apesar de sua viúva e seus três filhos nunca falarem sobre aquele dia, eles se sentiam julgados e, em certa medida, discriminados. Meu amigo se matou e um ano depois perdi meu pai para o câncer. Eles estavam doentes durante a mesma época e morreram com um intervalo de catorze meses, mas a reação a suas doenças e mortes não poderia ter sido mais diversa. As pessoas raramente levam flores para um suicida.
Foi só ao escrever este livro que descobri meu próprio rótulo — 'sobrevivente pós-suicídio' ou 'sobrevivente do suicídio'. Felizmente, há muitas fontes para me ajudar a dar sentido a esse acontecimento trágico e entender como ele me afeta, assim como há muitos recursos para ajudar qualquer um, adolescente ou adulto, que esteja lutando contra problemas emocionais, depressão, ansiedade, instabilidade mental ou pensamentos suicidas.
Muitas vezes, transtornos mentais e emocionais não são diagnosticados porque a pessoa com os sintomas sente vergonha, ou porque as pessoas próximas não conseguem ou escolhem não reconhecer os sinais. De acordo com a Mental Health America, estima-se que haja 2,5 milhões de pessoas com transtorno bipolar nos Estados Unidos, mas o número verdadeiro deve ser duas ou três vezes maior que isso. A quantidade de pessoas com a doença que não são diagnosticadas ou que são mal diagnosticadas chega a oitenta por cento.

Se você acha que algo está errado, fale.
Você não está sozinho.
Não é sua culpa.
Existe ajuda para você" (p. 321-322).

Em janeiro de 2017 fiz um post aqui no meu outro blog sobre o livro:


[ATENÇÃO: CONTÉM SPOILERS].

No dia 28 de fevereiro o filme foi lançado e tem recebido críticas positivas de quem não conhecia a história. Mas para boa parte dos leitores, a adaptação perdeu muito, pois já no começo há uma mudança importante na forma com que os dois personagens, que já se conheciam de vista, se encontram e se enxergam de verdade: no filme, Finch encontra Violet em uma ponte, enquanto que no livro os dois se surpreendem ao se encontrarem na torre do sino da escola, ambos pensando que talvez pular dali fosse uma boa ideia. Finn começa a conversar com Violet e, quando as pessoas percebem que os dois estão lá em cima, ele faz de tudo para que pensem que ela havia subido para salvá-lo. 

O diálogo dos dois depois de descer da torre: 

"— Eu só estava sentada ali — ela diz. — No parapeito. Não subi aqui pra…
— Deixa eu te perguntar uma coisa: você acha que existe um dia perfeito?
— O quê?
— Um dia perfeito. Do início ao fim. Quando nada de terrível ou triste ou comum acontece.
Você acha que é possível?
— Não sei.
— Você já teve um?
— Não.
— Também nunca tive, mas estou em busca dele.
Ela sussurra:
— Obrigada, Theodore Finch.
Fica na ponta dos pés e me dá um beijo no rosto, e sinto o cheiro do xampu, que lembra
flores. Então, diz no meu ouvido:
— Se contar a verdade a alguém, mato você" (p. 17-18).

É a partir desse encontro singular que ambos se aproximam e passam a conhecer o mundo do outro, muito mais detalhado no livro do que no filme, obviamente. A orelha do livro traz o resumo da história:

"Violet Markey tinha uma vida perfeita: amigos populares, um namorado lindo, um futuro estudando escrita criativa em Nova York e várias ideias para a revista on-line que dividia com sua irmã, Eleanor. Mas todos os seus planos deixam de fazer sentido quando as duas sofrem um acidente de carro e apenas Violet sobrevive. Sentindo-se culpada pela morte da irmã, Violet para de escrever, se afasta de todos e tenta descobrir como seguir em frente.

Theodore Finch encarna um personagem diferente a cada semana [...]. Essa personalidade imprevisível não raro acaba lhe trazendo problemas, e logo ele se torna o esquisito da escola, perseguido pelos valentões e chamado de 'aberração' por onde passa. Para piorar, o garoto é obrigado a lidar com longos períodos de depressão, um pai violento e a apatia do resto da família.

Enquanto Violet conta os dias para o fim das aulas, quando poderá ir embora da cidadezinha onde mora e aplacar o luto que sente pela ausência da irmã, Finch pesquisa diferentes métodos de suicídio e imagina se conseguiria levar algum deles adiante. Em uma dessas tentativas, ele vai parar no alto da torre do sino da escola e, para sua surpresa, encontra Violet, também prestes a pular.

Um ajuda o outro a sair dali, e essa dupla improvável se une para fazer um trabalho de geografia: visitar os lugares incríveis do estado onde moram. Eles vão até o ponto mais alto de Indiana, a um parque de bibliotecas que funcionam dentro de trailers antigos. a uma lagoa onde dizem não ter fundo, a montanhas-russas construídas por um senhor viciado em adrenalina, entre vários outros locais grandiosos ou pitorescos. Nessas andanças, Finch encontra em Violet alguém com quem finalmente pode ser ele mesmo, e a garota para de contar os dias e passa a vivê-los".

Depois de perder Finch, Violet passa pelo processo de luto com os questionamentos que são comuns para os sobreviventes enlutados: 

"Meu calendário está jogado em um canto. Abro, estico as páginas e olho pra todos os incontáveis dias em branco, que não risquei com um “X” porque foram dias que passei com Finch.
Penso:
Odeio você.
Se eu soubesse.
Se eu tivesse sido suficiente.
Eu decepcionei você.
Eu queria ter feito alguma coisa.
Eu devia ter feito alguma coisa.
Foi minha culpa?
Por que não fui suficiente?
Volte.
Eu amo você.
Sinto muito" (p. 291-292).

Também acho de uma delicadeza ímpar como Violet continua visitando e (re)visitando os lugares que havia visitado com Finch, na esperança de encontrar alguma mensagem que ele tivesse deixado para ela. A visita à Capela aparece no filme, mas não com toda a beleza descrita no livro:

"Caminho até o altar, e alguém digitou e plastificou a história da igreja, que está apoiada em um dos vasos.

A Capela de Oração Taylor foi criada como um santuário para que viajantes cansados parem e repousem. Foi construída em memória daqueles que perderam a vida em acidentes de automóvel e para ser um lugar de cura. Lembramos daqueles que não estão mais aqui, que nos foram tirados cedo demais e que manteremos para sempre em nossos corações. A capela é aberta ao público de dia e de noite, inclusive em feriados. Estamos sempre aqui. 

Agora sei por que Finch escolheu este lugar — pra Eleanor e pra mim. E pra ele também, porque ele era um viajante cansado que precisava repousar. Alguma coisa aponta pra fora da Bíblia — um envelope branco. Viro a página e alguém sublinhou estas palavras: brilhais como estrelas no Universo.
Pego o envelope e ali está meu nome: “Ultravioleta Markante”.
Penso em levá-lo pro carro pra ler o que tem dentro, mas em vez disso sento em um dos bancos, grata pela madeira sólida que me segura.
Estou pronta para ler o que ele pensava sobre mim? Pra ler o quanto o decepcionei? Estou pronta pra saber exatamente quanto o machuquei e como poderia... deveria tê-lo salvado se simplesmente prestasse mais atenção e interpretasse os sinais e não abrisse minha boca grande e o ouvisse e fosse suficiente e talvez o amasse mais?
Minhas mãos tremem quando abro o envelope. Tiro três folhas de partitura grossas, uma coberta de notas musicais, as outras duas de palavras que parecem a letra de uma música. Começo a ler.

Você me faz feliz,
Sempre que está perto, estou seguro em seu sorriso.
Você me faz belo,
Sempre que sinto que meu nariz é grande demais.
Você me faz especial, e Deus sabe o quanto esperei pra ser o tipo de cara que se quer por perto.
Você me faz te amar,
E essa deve ser a maior coisa que meu coração já foi digno de fazer…

Choro — alto e soluçando, como se tivesse segurado a respiração por muito tempo e
finalmente tivesse ar de novo.

Você me faz adorável, e é tão adorável ser adorado por aquela que adoro…

Leio e releio as palavras.

Você me faz feliz…
Você me faz especial…
Você me faz adorável…

Leio e releio até saber as palavras de cor, então dobro os papéis e guardo de volta no
envelope. Fico sentada até as lágrimas pararem, e a luz começa a mudar e desaparecer, e o brilho suave e rosado do entardecer enche a capela.

[...] Não preciso me preocupar com o fato de Finch e eu não termos filmado nossas andanças. Tudo bem não termos recolhido lembranças nem tido tempo de organizar tudo de um jeito que fizesse sentido pra outra pessoa. O que percebo agora é que o que importa não é o que a gente leva, mas o que a gente deixa (p. 314-316).

Desculpem pelo textão, mas eu quis trazer a riqueza da narrativa escrita de Niven que não aparece como deveria no filme.

Minha dica: se você gostou do filme, leia o livro quando puder. Vou reler, mais uma vez!


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