sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

O QUE NÃO PODE MORRER NUNCA


Era uma vez, há muito, muito tempo, um pinheirinho que vivia nas profundezas de uma floresta, cercado de árvores muito maiores. A cada inverno, pais, mães e seus filhos penetravam na floresta em velhos trenós de madeira e com muita felicidade e animação, cortavam algumas das árvores e as levavam embora.
As árvores mais velhas diziam que as árvores cortadas eram levadas para um lugar maravilhoso, chamado casa. Ali, eram tratadas com o máximo respeito, afagadas por muitas mãos e postas numa água que lhes aplacava a dor. Depois, ao que se dizia, uma família inteira de pessoas sorridentes se reunia ao seu redor. Elas enfeitavam a árvore com objetos pequenos e lindos. Finalmente, decorada com balas, guirlandas, a árvore se tornava o convidado mais reverenciado da casa, cercada por crianças e cantorias. Era de fato uma das glórias mais magníficas que se poderia um dia conceder a uma árvore.
Ah, tudo aquilo parecia perfeitamente maravilhoso. E era com isso que o pinheiro sonhava.
Ano após ano, ele esperava que o verão passasse, que o outono chegasse e afinal viesse a beleza do inverno. Ano após ano, porém, ninguém o escolhia.
Certo inverno, voltaram os cavalos puxando um trenó com o pai, a mãe e crianças risonhas. E o pinheirinho começou a tremer de esperança.
E o pai apanhou seu machado no trenó. Com o primeiro golpe, o pinheiro sentiu a maior dor de toda a sua vida e desmaiou. Muito mais tarde, o pinheiro voltou a si no reboque do trenó. A dor mais terrível parecia estar passando agora; além disso, ele tinha uma vaga lembrança de que estavam indo a um lugar que ele havia desejado ver todos os dias da sua vida passada.
Afinal, quando estava escurecendo, o trenó estacionou diante de um chalé coberto de neve. Um velho e uma velha saíram exclamando: - Que árvore linda. Perfeita.
- Ah - pensou o pinheiro - como é bom ser bem-vindo.
Os velhos o tiraram do reboque com mãos cuidadosas, mergulharam o tronco cortado da árvore num balde de água fresca que aliviou grande parte da sua dor.
Bem cedo na manhã seguinte, houve muito barulho e rebuliço. A árvore esperava, literalmente prendendo a respiração de tanta emoção. Em toda a sua volta, a árvore foi adornada e enfeitada.
- Ah, isso é tudo o que os mais velhos lá da floresta descreviam, e muito mais - exclamou o pinheiro.
Pela manhã, a árvore acordou sobressaltada quando as crianças entraram correndo. A árvore farfalhava os galhos, feliz por participar de tudo com que havia sonhado, e muito mais.
No dia seguinte e no outro, a árvore continuou orgulhosa na sala, embora estivesse um pouco desarrumada. Apesar disso, tudo estava uma glória mesmo quando o pinheiro viu que a maioria das crianças e dos adultos subia nos trenós e ia embora.
- Ora, estarão de volta hoje à noite ... Vão me decorar de novo, e a festa vai recomeçar.
O pai entrou então, com passos pesados, e tirou todos os enfeites do pinheiro.
Depois, tirou a árvore da água, a sacudiu com força e a arrastou da sala. O pinheiro, apesar de surpreso com esse tratamento grosseiro, ainda estava esperançoso. O pai, no entanto, arrastou de maneira descuidada o pinheiro, abriu uma pequena porta e, sem-cerimônia, jogou a árvore lá dentro.
- Que tipo de escuridão é esta? Ai, pobre de mim ... O que eu fiz para ser abandonado num lugar tão frio e solitário?
Mas ninguém ouviu. E ali o pinheiro ficou muitos dias e muitas noites. Certa noite, porém, o pinheiro viu os olhos de dois ratinhos.
- Ah, meus senhores, sabem me dizer quando virão me buscar, quando voltarei para a sala especial?
O camundongo de macacão e cachecol começou a rir. Mas o outro camundongo cutucou o companheiro e falou com a árvore com gentileza:
- Querida árvore, ora, você teve uma vida boa, não teve? Ah, sei que você sentia ter nascido para essa vida, tanto que não desejava que ela mudasse. Mas todas as coisas, árvore querida, mesmo as coisas boas, têm seu fim. Essa época já terminou. Mas agora começa um tempo diferente.
E os dois camundongos fizeram companhia à árvore a noite inteira. Pela manhã, foram despertados abruptamente pelo ruído de passos pesados na escada. A porta do sótão foi aberta e o pai agarrou o pinheiro e o arrastou até o quintal. Ali, deitou o pinheiro num toco velho e ergueu muito alto um machado enorme. Com o primeiro golpe, a árvore achou que ia morrer com a dor, e antes do segundo já estava inconsciente.
Muito tempo depois, o pinheiro acordou novamente no canto da sala especial e, embora não se sentisse muito bem, parecia que lhe faltava apenas sua copa verde e que seus braços estavam arrumados de um modo totalmente diferente, em pedaços. No entanto, viu, nas poltronas diante da lareira, o velho casal que conhecera quando chegou a casa. Apesar do seu estado, o pinheiro sorriu com o amor que via entre os dois.
O velho levantou-se e jogou um dos braços do pinheiro no fogo. Embora de início o pinheiro resistisse e protestasse, logo compreendeu, enquanto a chama queimava cada vez mais fundo no seu coração, que aquela era sua alegre missão no mundo - dar calor para pessoas como essas. O pinheiro ardeu então com uma força ainda maior.
- Ah, nunca pensei que pudesse queimar com tanto brilho, que pudesse encher uma sala com tanto calor. Amo esses velhos com todo o meu coração.
Noite após noite, o pinheiro permitia essa entrega. Era tão completa sua alegria por ser útil e ter vida desse modo que ele queimou e queimou até não restar mais nada dele, a não ser as cinzas que jaziam no fundo da lareira. Quando estava sendo varrido da lareira pelos velhos, pensou que sua vida fora gloriosa, mais do que esperara, só que agora a nada poderia aspirar.
O casal de velhos era muito cuidadoso e, com suas mãos velhas e sábias, varreu delicadamente cada fragmento de cinzas da lareira. Puseram as cinzas num saco e o guardaram até a chegada da primavera. Quando a terra começou a se aquecer, o velho e a velha entraram pelos jardins e campos e espalharam cuidadosamente as cinzas do pinheiro. Com o tempo, quando as chuvas e o sol da primavera chegaram para ficar, as cinzas sentiram sinais de vida por baixo delas. O pinheiro deu milhares de sorrisos e milhares de suspiros na sua felicidade por voltar a ser útil.
- Ai, eu não sabia que podia virar um monte de cinzas e ainda assim voltar a produzir tanta vida nova. Que sorte enorme coube à minha vida. Cresci no isolamento da floresta. Mais tarde, que belos dias e noites de luz de velas e cantorias eu vim a conhecer. Na minha época de solidão e carência, tive a amizade de estranhos, como se fôssemos uma só família. Mesmo quando estava sendo dilacerado pelo fogo, descobri que podia emitir imensa luz e calor do meu próprio coração. Que sorte, como fui afortunado. Ah, de tudo que cresce, cai e cresce novamente, é só o amor pela vida nova, e apenas ele, que dura para sempre. Agora estou em toda a parte. Está vendo como vou longe?
Naquela noite, quando a grande estrela cruzava o céu noturno do universo, o pinheiro jazia sobre a terra abençoada, aninhando-se junto às raízes e sementes para aquecê-las com suas próprias cinzas, nutrindo para sempre todas as coisas que crescem; e essas, por sua vez, nutrindo outras, por todas as gerações futuras. Naquela lindíssima terra, da qual ele vinha e para a qual agora voltava, ele dormiu bem e teve sonhos profundos, cercado ali por aquilo que é muito maior, mais majestoso e muito mais antigo do que jamais se conheceu.
E o que é que não pode morrer nunca? É aquela força de fé que já nasce dentro de nós, que é maior do que nós, que chama as novas sementes para os lugares áridos, maltratados, abertos, para que possamos nos ressemear. Renasça no amor, sempre!
- Clarissa Pinkola Estés em “O jardineiro que tinha fé” (Adaptado).



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