"A estranha ave lendária que se imolava no fogo e dele renascia é muito usada como metáfora de nosso próprio renascimento de horas ou fases muito difíceis.
Ninguém, eu acho, olhando sua vida, pode dizer que jamais teve essa sensação: 'Agora, acabou; nada faz sentido'. Ou: 'Não vou aguentar'. Ou: 'Isso eu não vou poder suportar'.
No entanto, me ensinou a vida, mesmo quando estamos numa UTI emocional, como a perda de alguém muito amado, esperando ou até desejando o fim e a paz, um dia conseguimos levantar: somos liberados dos aparelhos que nos mantinham vivos, chegamos até a porta... somos transferidos para um quarto ...
Dali, podemos espiar o corredor, andar por ele apoiados em alguém ou de bengala, e enfim respiramos quase normalmente. A pedra pesada e escura no meu peito aliviou. Um pouco. Mais um pouco. Talvez eu nunca me livre dela inteiramente, mas estou aprendendo a lidar com ela. Tenho para isso o resto da minha vida.
Estamos vivos.
Nos reconstruímos, de um jeito ou de outro, das próprias cinzas. Existe o mundo com suas belezas e crueldades, existem a loucura, a neurose, o rancor inexplicado, a violência e a guerra, mas também podemos buscar alguma claridade [...].
Um luto grave nos deixa de mal com o mundo, e com nós mesmos: tudo é ruim, tudo é horrível, tudo parece nos agredir se não for coberto de nevoeiro e sombra.
[...]
Descobrimos ou redescobrimos o valor dos afetos, das coisas simples, daquela voz no telefone, aquele e-mail ou Whats, daquele passo no corredor, daquele gesto afetuoso ou um simples olhar de cumplicidade - pois nem todos sabem, ou conseguem, grandes abraços e palavras - mas, perto ou longe, estão conosco.
E tudo isso nos fez de novo viver. A Fênix incansável ajeita as penas chamuscadas, olha em torno, abre as asas, tenta seu voo: isso somos.
Até que um vendaval mais forte nos leve embora também."
- Lya Luft em "As coisas humanas" (p. 26-27).
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