segunda-feira, 2 de setembro de 2019

- Apanhei dos meus pais e não fiquei com nenhum trauma.
Diz a moça que logo em seguida fala que não gosta de multidões e tem dificuldades para interagir.
Diz a mulher que admite ter se envolvido em relacionamentos abusivos durante toda a vida.

- Apanhava uma vez só e aprendia a lição.
Diz o homem casado que aprendeu a mentir para evitar as responsabilidades e mente compulsivamente sobre coisas banais, destruindo a confiança que deve haver entre o casal.
Diz o jovem executivo que sofre de crises de pânico antes de reuniões, para as quais ele precisa estar medicado para participar.

- Apanhei dos meus pais e não tenho nenhuma mágoa.
Diz a pessoa que hoje não sabe expressar seu descontentamento, que não consegue falar sobre seus sentimentos, e aceita até o inaceitável de familiares e amigos porque não consegue entrar em um debate saudável e nem defender sua própria opinião.

- Apanhei dos meus responsáveis e sou grato a eles.
Diz a pessoa que desconfia de todos, acredita que todos estão falando mal ou armando contra ela! Que sente que o azar está sempre a espreita.

- Apanhei e me tornei uma boa pessoa.
Diz com orgulho a boa pessoa que acredita que não merece coisas boas e se auto boicota sem perceber.

- Apanhei e estou bem.
Dizem todos que defendem que crianças são os únicos seres vivos que merecem apanhar para aprender, sem perceberem que perpetuar o ciclo da violência é um dos principais sinais de que não se está nada bem...

"Ahhh... Mas quer dizer que todo problema que a pessoa tiver terá sido porque ela apanhou?"
Não.
Claro que não, diminua os batimentos cardíacos e termine a leitura.
Sempre existem as exceções.

De modo geral, o que estou dizendo é que ser educado com violência e agressividade durante a infância pode deixar marcas que são levadas para a vida adulta.
Ser educado com violência e agressividade pode causar padrões de comportamento, imperceptíveis racionalmente, que causam danos na vida profissional e afetiva da pessoa.
Quando a pessoa apanha na infância rompe-se o elo da entrega e da confiança.
Dor e confusão se misturam em uma compreensão distorcida do que é amor.
Não significa que a pessoa, necessariamente, vai refletir isso na relação com os pais (às vezes sim), na maioria das vezes ela irá refletir isso em sua relação com outras pessoas e com a própria vida.

A criança que apanha não deixa de confiar em seus pais, deixa de confiar em si mesma.
A criança tratada com violência e agressividade não deixa de amar seus pais, ela deixa de acreditar que merece SER amada.
E esta criança cresce, tornando-se o adulto que traz dentro de si as marcas dessas violências.

Entender o que uma educação violenta pode causar não se trata de ingratidão, seus pais fizeram o melhor que podiam com aquilo que era possível na época deles.
Perceber que educar e bater não combinam não se trata de encontrar culpados, na verdade, se trata de auto responsabilização, se trata de escolher conscientemente o que fazer com aquilo que te fizeram.
Apanhou e se identificou?

Então este texto é para você, apenas reaja com vontade, rompa o ciclo da violência, perdoe-se, compreenda-se, aceite-se, acredite novamente que merece ser amado.

Apanhou e está bem?

Ok... Então este texto não é para você, apenas reaja sem violência.

Luzinete R. C. Carvalho


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