quinta-feira, 30 de março de 2017

"Com a autorização de Pedro, procurei o psiquiatra dele para uma conversa. Ele foi de uma honestidade rara. Perguntei a ele porque receitava psicofármacos para gente como Pedro. 

'Porque vivemos num mundo em que as pessoas não têm tempo para elaborar o que é do humano. Muitas vezes eu me deparo com essa situação no consultório. Vejo uma pessoa ali me pedindo antidepressivo porque não consegue mais trabalhar, não consegue mais tocar a vida. Eu sei que ela não consegue mais trabalhar nem tocar a vida porque é a sua vida que se tornou impossível, porque precisa de um tempo que não tem para elaborar o vivido. É óbvio que não é possível, por exemplo, elaborar um luto ou uma separação em uma semana e seguir em frente como se nada tivesse acontecido. Assim como não é possível viver sem dúvidas, sem tristezas, sem frustrações. Tudo isso é matéria do humano, mas o ritmo da nossa vida eliminou os tempos de elaboração. Essa pessoa não é doente – é a vida dela que está doente por não existir espaço para vivenciar e elaborar o que é do humano. Só que esse cara precisa trabalhar no dia seguinte e produzir bem ou vai perder o emprego. Então eu dou o antidepressivo e faço um acompanhamento sério, com psicoterapia, para que esse cara possa dar um jeito na vida e parar de tomar remédios. É um dilema e não tem sido fácil lidar com ele, mas é neste mundo que eu exerço a profissão de psiquiatra. Porque no tratamento da depressão, de verdade, a doença, de fato, é muito difícil obter resultados, mesmo com os medicamentos atuais. Assim como outras doenças psíquicas, quando são doenças mesmo. Os resultados são muito mais lentos – e às vezes não há resultado nenhum. A maioria das pessoas que estamos medicando hoje não é doente. E por isso o resultado é rápido e parece altamente satisfatório. Estas pessoas só precisam dar conta de uma vida que um humano não pode dar conta.' 


- Eliane Brum em "Você consegue viver sem drogas legais?"




Um comentário:

  1. Nossa nunca parei para pensar nisso. Mas realmente faz muito sentido. Na próxima consulta vou questionar se realmente ainda necessito dessa droga. Seria um erro chegar a uma conclusão sozinho e simplesmente parar de tomar.

    Wellington Maia

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