segunda-feira, 30 de agosto de 2021

 "Entendo menos do que dei à minha família adotiva e muito mais do que me deram. Amor, ah, sim, sabedoria, ah, sim, e asperezas sistemáticas que desgastaram as arestas brutas de algo promissoramente valioso e digno de ser polido em mim. 

Eles proporcionaram provas difíceis de muitos tipos e um puro respeito pela sobrevivência — não dos mais fortes — mas dos mais sábios, dos mais devotados à vida, à terra, aos entes queridos, incluindo-se aqueles difíceis de serem amados e os que precisam de amor mais do que de qualquer outra coisa.

Através da vida que levávamos, aprendi o dom, a lição mais árdua de se aceitar, e a mais poderosa que conheço — ou seja, o conhecimento, uma certeza absoluta de que a vida se repete, se renova, não importa quantas vezes seja apunhalada, descarnada, atirada ao chão, ferida, ridicularizada, ignorada, desprezada, desdenhada, torturada ou tornada indefesa. 

Com minha gente querida, aprendi tanto sobre o túmulo, sobre encarar os demônios e sobre o renascimento quanto aprendi em toda a minha formação psicanalítica e meus vinte e cinco anos de atendimento clínico. Sei que aqueles que sob certos aspectos e por algum tempo estão afastados da crença na própria vida acabam sendo os que perceberão que o Éden está por baixo do campo nu, que as sementes novas vão primeiro para os lugares abertos e  vazios — mesmo quando esse local é um coração de luto, uma mente torturada ou um espírito devastado.

Qual é esse processo do espírito e da semente, cheio de fé, que toca o solo nu e o torna rico de novo? Não tenho a resposta completa. Só sei o seguinte: aquilo a que dedicamos nossos dias pode ser o mínimo do que fazemos, se não compreendermos também que algo espera que a gente abra espaço para ele, algo que paira perto de nós, algo que ama, e que espera que o terreno certo seja preparado para que ele possa se revelar.

Estou certa de que, enquanto estivermos aos cuidados dessa força de fé, aquilo que pareceu morto não estará morto, aquilo que pareceu perdido também não estará mais perdido, aquilo que alguns alegaram ser impossível tornou-se nitidamente possível, e a terra que está sem cultivo está apenas descansando — à espera de que a semente venturosa chegue com o vento, com todas as bênçãos de Deus. E ela chegará".

- Clarissa Pinkola Estés em "O jardineiro que tinha fé" (p. 81-83).






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