"[...]
Por uns quarenta dos seus oitenta anos de vida, minha avó apostou no mesmo número de loteria, comprava o bilhete junto com um parente mais jovem. Quando ela se foi, ele seguiu com esse hábito até seus últimos dias. [...] O temor que os movia era que no mesmo dia em que resolvessem abandoná-lo ele sairia, como se existisse uma memória vingativa entre uma rodada e outra de apostas. [...]
Temos esse hábito em relação a apostas menos lúdicas e levianas do que um bilhete de loteria. Quantas vezes nos pegamos insistindo num relacionamento fracassado, num negócio falido, numa escolha equivocada? Esses investimentos amorosos ignoram os dados da realidade, apegam-se às mínimas amostras de que vale a pena persistir. Eles se baseiam no mesmo temor da minha avó, de que outro, menos “merecedor”, ganhe a aposta. Junto de outro par aquela pessoa de quem já não estamos gostando pode se revelar exatamente o que queríamos que ela fosse. Tememos que se embeleze, torne-se mais romântica, responsável, bem sucedida, sensível, corajosa, criativa. Alheia aos nossos investimentos, ela prosperará assim que deixarmos de apostar. O mesmo vale para negócios e outras escolhas infelizes. Então o erro não estava no amado, no negócio, no projeto, o erro éramos nós?
Nesse caso, insistir no erro não é somente burrice, é uma espécie de aposta delirante no nosso desejo. É difícil acreditar que o destino, essa entidade que governa o acaso, seja tão rebelde à nossa vontade. Afinal, esse não era o segredo – como dizem algumas fórmulas de auto-ajuda – querer muito e persistentemente?
A admiração que sentimos por aqueles que levaram seus desejos às últimas consequências é coerente. Os perseverantes revelam que não basta querer, é preciso trabalhar em prol do que se almeja. Por outro lado, a obstinação supersticiosa em acreditar na supremacia da nossa vontade sobre o destino é aprisionante. Muitas vezes o segredo está em desistir, escolher outro número na vida no qual apostar. Esse ato em geral requer muita coragem e o mais difícil: a sinceridade consigo mesmo de admitir que também fazemos escolhas erradas, e que nossa vontade pode não fazer a mínima diferença."
(Diana Corso em Apostas - publicado na Revista Vida Simples de junho 2015)
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